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sábado, 17 de dezembro de 2011

TOMMY - PARTE 1 - POR LUIZ DOMINGUES




Com a recente perda de Ken Russell, nada mais justo que enfoquemos um de seus melhores e mais famosos filmes, Tommy, baseado na Ópera-Rock do The Who.

Quando se resolveu adaptar a obra para o cinema, ela já era lendária no mundo do Rock. Não falarei dela em si e o que representou na carreira do The Who e para a história do Rock, pois o objetivo desta matéria é falar exclusivamente do filme, embora seja quase impossível desassociar um mito do outro...

Conforme já enfoquei num texto aqui mesmo no Blog do Juma, Ken Russell já vinha de uma carreira de sucesso quando partiu para esse projeto de levar a genial obra do The Who às telas.

Com carta branca de Pete Townshend & cia., além do poderoso produtor do Who, Robert Stigwood, deu asas à imaginação e exerceu todo o seu potencial criativo, fazendo do filme uma colagem de cenas espetaculares, plenas de alegorias, metáforas e lisergia onírica.

Algumas modificações foram realizadas em relação à obra original, gravado no álbum duplo de 1969. Como por exemplo, o pano de fundo do filme foi sobre a II Guerra Mundial e não a primeira . No disco, o amante da mãe de Tommy mata seu pai, mas Russell inverteu isso e deu mais dramaticidade à estória.

Cinco músicas novas foram compostas para alinhavar melhor o roteiro cinematográfico e vários versos das músicas tradicionais foram mudados para evitar choques anacrônicos.

Para os jovens que nunca viram, conto que a estória gira em torno de um menino chamado Tommy, que perde o pai na Guerra, um oficial da aeronáutica britânica (RAF). Mas o pai na verdade não estava morto e quando volta para casa, vê a mulher com outro homem dentro de casa e cuidando de seu filho. Uma tragédia ocorre e o menino vê tudo.

Com o choque, entra num estado psicossomático onde torna-se cego, surdo e mudo. Ou seja, está aí a primeira metáfora, com Tommy fugindo do mundo exterior e se refugiando no seu interior.

A mãe e o padrastro tentam vários tratamentos em vão, com vários percalços (o primo sádico que o tortura, os abusos sexuais de um tio pedófilo etc).

Tentam o caminho da religião, mas Tommy não reage. Vão ao outro extremo, entregando-o aos estímulos das drogas e do sexo, mas nada acontece. Tentam a medicina psiquiátrica etc etc.

Até que um dia, Tommy que tinha o hábito de passar horas se olhando no espelho catatônicamente, enxerga uma enigmática bola de Pinball. Mesmo sem entendê-la, fica obcecado por ela e descobre o jogo de Pinball como uma iluminação espiritual a ser seguida.

Jogando desenfreadamente, torna-se o campeão nacional e vira um astro midiático. Mais que isso, vira uma espécie de guru de uma nova seita, onde seus pais são os líderes e enriquecem com toda a exploração financeira decorrente disso.

Tommy liberta-se e volta a ouvir, ver e falar e com a pureza no coração, quer que essa descoberta chegue às pessoas, enquanto sua mãe e padrastro só querem lucrar com isso.

Mas as pessoas não conseguem ter a mesma epifania que ele, se revoltando e destruindo toda a mistificação envolvida nessa seita mercantilista. Tommy é perseguido, mas refugiando-se, alcança o seu Eu interior, finalmente.

As referências à espiritualidade são múltiplas. Na cena com a "Rainha do Ácido" , interpretada por Tina Turner, a paixão de Cristo é evocada com Tommy tendo uma bad trip dentro de uma cápsula que simula uma ampola. Isso sem contar a ida dele à uma Igreja, onde a liturgia gira em torno de Marilyn Monroe adorada como uma Deusa.

Toda a questão da interiorização do garoto Tommy, onde acha uma resposta dentro de si através da simbologia da bola de Pinball, pelo fato de ter fechado seus canais de exteriorização, é muito significativa.

Assim como a sequência onde após quebrar o espelho, volta a ter seus sentidos recuperados. A quebra do espelho simbolizou o rompimento de uma dimensão em relação à outra e o fato de ter caído no mar, remeteu ao nascimento, com o feto deixando o mundo líquido do útero materno.

A crítica ao mercantilismo das religiões é explícita. Tornado um Guru, as pessoas o seguem e embora sejam teóricamente sadias, agem como verdadeiros cegos, surdos e mudos, gastando rios de dinheiro para comprar bugigangas que simulariam a iluminação do seu messias. Com artefatos para tampar olhos, boca e ouvidos, jogam pinball à esmo, tentando obter essa dita iluminação, mas fracassam...mais uma metáfora alertando sobre o perigo do fundamentalismo dogmático, versus iluminação individual.

Na próxima semana, a segunda parte desta matéria mostrará uma série de curiosidades sobre a produção do filme, mais questões subliminares e um panorama do impacto gerado no mundo e no Brasil em específico, quando de sua estréia no meio dos anos setenta

6 comentários:

  1. excelente texto Luiz,esse filme marcou a minha vida,Ken Russell é o meu diretor preferido,estou sem palavras...ansioso pela segunda parte,parabéns!

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    1. Obrigado, Kim !

      De fato, a música incrível do The Who e o cinema delirante de Ken Russell nasceram um para o outro.

      Abraço !

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  2. Assisti ao filme há anos. Lembro de ter gostado, mas não havia entendido tudo. Agora após ter lido teu texto o filme ficou melhor ainda.
    Ótimo texto! Parabéns!

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    1. Acredito que com as informaçõps arroladas, a compreensão do filme seja outra, pois o diretor Ken Russell abusou dos efeitos oníricos.

      Abraço !

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