Londres, 23 de julho de 2.011. Morre aos 27 anos, Amy Winehouse.
Amy Winehouse foi um produto do seu tempo. Um brilho tão intenso como é próprio das estrelas, que ainda se propagará por muitos anos-luz. Sua breve história teve o desfecho esperado; um final não tão feliz quanto poderia. Porém esse fato traz em si uma mensagem, um retrato do caminho traçado pelo crack, sendo este o responsável por mutilar a percepção que um ser humano nascido para brilhar deveria ter de si mesmo, ao menos em minha interpretação. Uma voz lindíssima é um privilégio de poucos, imaginamos um ser extremamente sensível e puro. Sua mente jamais poderia ser invadida pelas trevas próprias a que se destina todo humano transformado em mercadoria.
A história do rock contém muitas histórias como esta. E esta é apenas mais uma. Como é possível que não se perceba a fragilidade de pessoas sensíveis, que não conseguem se adequar ao mundo e a realidades que vivem? Parecem estar num mundo de sonhos, no mundo das fadas, e quando são solicitados a estar no mundo globalizado e tecnológico, a exposição de suas vidas muitas vezes contribuem para reforçar seu desejo de fugir. O flerte com a morte é inevitável.
A dependência química de jovens no mundo de hoje é o resultado da relação que o Estado e a sociedade têm com uma realidade que, infelizmente não deixa de existir só porque não queremos encará-la. A droga, mercadoria produzida numa cena de guerra, com elementos psíquicos destinados a alimentar a degradação, produz baixas terríveis de um batalhão de jovens que sem expectativa de futuro, se junta ao inimigo. O inimigo invisível, que destrói sentimentos, comportamentos e caráter, de acordo com a moda de muito “consumir”, mas nada “sentir”, e está levando o mundo a indiferença total. Rotulam para separar, criar e manter a diferença, e dessa forma incentivar a competição entre pessoas não “treinadas” em igualdade de condições. Para cada campeão, centenas de derrotados. Com isso, espalham a miséria pelo mundo, e o refluxo disso tudo tem conseqüências previsíveis.
A via de ataque se dá através da poluição mental. Um obstáculo a ser superado, para que a mente humana não se degrade definitivamente. O lixo mental produzido pelos meios de comunicação que espalha no ambiente milhões de informações, que circulam na atmosfera e podem chegar e passar pelas melhores cabeças e se fixar. Ele vem a partir de imagens, sons, e fixa-se pela repetição. Amy foi mais uma forma de conscientização de que algo surge em função da revolta, da “fome” de um povo e de seu cortejo com o perigo. Quantos estarão por ai, nas calçadas, nos prostíbulos, nos bares? A droga existe, sempre existiu, isso é um fato, e o crack é seu pior desdobramento.
As substâncias entorpecentes estão em todos os momentos da história da humanidade. Remédios na antiguidade eram considerados sagrados, pois faziam a ponte entre o humano e o divino, a diferença entre a vida e a morte, num momento histórico específico, onde não havia separação significativa entre a natureza e o homem.
Os pajés das tribos indígenas conheciam as plantas de poder tanto para curar, quanto possibilitar um diálogo com os “deuses”. Ouvi, certa vez uma antiga lenda, que contava da “maldição” do velho Pajé, que ao ver a plantação de coca ser queimada e destruída pelos colonizadores. Ele disse –“Hoje homem branco destrói a planta sagrada. Amanhã a planta sagrada destruirá o homem”.
Se buscarmos a cultura oriental também encontraremos essa comunicação entre natureza e saúde. O aprofundamento do conhecimento humano da natureza se faz no caminho do desconhecido. O alcoolismo é uma doença que surgiu a muito tempo. Aqui na América, por exemplo, os índios bebiam em rituais, não havenso o consumo fora do terreno sagrado. Com as conquistas européia, essas civilizações tiveram seu mundo invadido e virado de “cabeça para baixo”, sua cultura, assim como suas práticas sagradas foram profanadas. Vitimas da ignorância do homem “civilizado”, tiveram as estruturas de sua sociedades abaladas. Sabiam que sozinho o homem sem controle e autoconhecimento se perde, precisa de elos com o sagrado para que haja a integração que dá sentido a sua vida.
Elos como profissão, crença, família, lazer e cultura são essenciais para o desenvolvimento humano. Hoje vemos uma mudança de comportamento em relação a certas tradições, que devem sempre ser superadas, mas jamais ignoradas. Essa mudança de comportamento leva a sociedade a acreditar que proibição basta e resolve alguma situação de forma definitiva. Ao contrário. É lixo prá debaixo do tapete. A fabricação da loucura como forma de exclusão tem sido o responsável pela degradação da dignidade humana a tempos. Se analisarmos a relação de Amy com seu ambiente, perceberemos o quanto a qualidade das referências na vida de um ser humano podem determinar quase tudo em relação ao seu futuro.
A alteração da consciência é uma prática muito comum e cientes ou não, todos nós temos o nosso momento de extravasar as tensões as quais somos submetidos diariamente. Seja rezando, bebendo, trabalhando, nos divertindo e etc. No ocidente, infelizmente, não somos instruídos para celebrar a vida a em cada detalhe e não aprendemos a lidar com a realidade que vivemos de forma ampla e holística. O pensamento linear muitas vezes não nos permite perceber completamente e realmente, o caminho que escolhemos e todas as suas implicações. Tornamos-nos todos presas fáceis aos diversos tipos de “ópio” oferecidos como solução a problemas universais. Anestesias que tratam os sintomas, mas não alcançam a causa.
A droga não deve existir nesse contexto e sim ser devolvida ao seu ambiente. Um espaço apropriado, seja ele religioso ou científico e os dependentes químicos tratados com o devido respeito, ao qual todos os seres humanos, doentes e excluídos de alguma forma, têm o direito. Sairemos então, desse movimento retrógrado de ignorância e falsa moral. Apenas desse modo avançaremos mais um degrau evolutivo, lutando pela garantia da dignidade humana, acima de qualquer outra coisa.
Quanto a nós, resta-nos lembrar da música de Amy, assim como tantos outros ícones que vieram e se foram tão rápido quanto seu brilho, e apenas isso. O que não é brilho e nem é beleza não são inerentes apenas à Amy Winehouse, e sim a tantos seres humanos que vivem no limbo, do lado escuro onde a ostentação e o brilho da arrogância humana nãos os alcançam, sentindo-se seguros nos becos de onde saem apenas para serem devolvidos à terra. Prefiro deixá-la descansar em paz, já que concluiu sua “crônica da morte anunciada”, segundo Nelson Mota.
Amy Winehouse ressuscitou o jazz e sua história pode ser cantada num blues...
Myrna Moon
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